A Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN) vai entregar, na solenidade deste ano, sua mais alta honraria a um nome que há décadas não possui atividade industrial: o empresário João da Motta, ex-representante do histórico cortume J. Motta — um empreendimento que deixou de funcionar há mais de 20 anos e cuja estrutura permanece abandonada às margens do Rio Potengi.
O que restou do antigo cortume, além de ruínas físicas, foram denúncias ambientais que marcaram época e que ainda hoje circulam nos bastidores do setor industrial e ambiental do estado.
Denúncias que envolvem contaminação ambiental
Documentos e relatos encaminhados ao blog ao longo dos anos apontam que o extinto cortume teria deixado um rastro de danos no estuário do Rio Potengi. As denúncias relatam que a empresa teria camuflado centenas de milhares de quilos de resíduos altamente poluentes, entre eles cromo trivalente (Cr³) — substância que exige manejo especializado por se tratar de um agente perigoso ao meio ambiente.
Segundo os relatos, esse material teria sido empilhado mecanicamente no terreno da empresa, coberto apenas por uma fina camada de areia — área que hoje está tomada pelo mato, sem qualquer sinal de destinação ambientalmente adequada.
As denúncias também citam o descarte irregular de cerca de 100 litros de Pentaclorofenato de Sódio, conhecido como “Pó da China” — um produto carcinogênico e amplamente restrito em processos industriais. O material, segundo os relatos, teria sido despejado em um terreno vizinho ao cortume, em um aterro improvisado, também às margens do Potengi.
Apesar da gravidade, não há informações públicas recentes sobre responsabilizações, investigações conclusivas ou punições relacionadas ao caso.
A homenagem
Durante o evento, João da Motta receberá a Medalha da Ordem do Mérito Industrial, comenda concedida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a empresários considerados relevantes para o desenvolvimento socioeconômico do país.
O presidente da FIERN, Roberto Serquiz, destacou durante o anúncio:
“Ao homenagear os líderes e empreendedores aqui agraciados, reafirmamos a importância de quem, diariamente, enfrenta obstáculos estruturais, aposta na inovação e mantém vivo o espírito pioneiro que marca a nossa indústria.”
A FIERN também entregará a Medalha do Mérito Industrial Walter Byron Dore, destinada a figuras que contribuem para o avanço do setor potiguar. Na edição de 2024, os agraciados foram Francisco Vilmar Pereira, José Garcia da Nóbrega, Edilson Trindade, Helane Cruz, Marize Tavares e Everton Tavares.
O contraste que chama atenção
A decisão de homenagear um empresário cuja empresa está desativada há décadas — e que aparece em antigas denúncias ambientais que jamais foram plenamente esclarecidas — gerou desconforto entre membros do setor industrial, ambientalistas e observadores da política potiguar.
Acaba soando irônico: a maior homenagem da indústria do Rio Grande do Norte será entregue a alguém sem empresa ativa e associado a um dos episódios mais delicados envolvendo o Rio Potengi.
Um registro pessoal
O blog reforça seu respeito à história da família Motta, conhecida por sua relevância no setor produtivo e pela convivência cordial com a sociedade potiguar. A crítica aqui se dirige ao ato institucional da homenagem e ao histórico do cortume, não à família em si.

